terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Adolfo Guidi: dedicação e luta pela vida de um filho

Até onde o amor de um pai pode chegar para salvar a vida de seu filho? A história de Adolfo Celso e Vitor Guidi demonstra claramente este poder ilimitado do amor paterno.

Amor ao próximo sempre foi um dos princípios de Adolfo Celso Guidi, que desde pequeno gostava muito de ajudar aos outros. O ponto marcante de sua história de vida começa anos depois de uma trajetória de sucesso. Já casado e bem sucedido profissionalmente, Adolfo desfrutava de uma rotina intensa de trabalho e vivia com sua esposa e seu filho Vitor Giovani Thomaz Guidi, um garoto saudável e muito inteligente, que protagonizaria os próximos desafios de seu pai.

Hiperativo e muito esperto, Vitor era a alegria da casa da família Guidi, sempre sorrindo e feliz, o garoto cursou o Jardim I e II e, aos cinco anos seria matriculado na primeira série, pois era considerado uma criança a frente dos colegas de turma. Porém, alguns meses antes deste início no ensino fundamental, a escola onde ele estudava convocou uma reunião com seus pais, o tema da conversa eram as dificuldades apresentadas pelo menino. De um mês para o outro, tudo mudou no comportamento de Vitor. O garoto apresentava dificuldades em segurar o lápis e em realizar suas atividades. Sem conseguir escrever, o menino ensinava explicando aos seus colegas e isso acabava atrapalhando o andamento de suas aulas.

Com o agravamento da doença do filho, Guidi recorreu a vários médicos no país e nenhum deles conseguiu apresentar um diagnóstico. Depois de muitos exames, um dos doutores sem resposta ao caso do menino indicou a seu pai o contato com um laboratório argentino que poderia diagnosticar o caso de Vitor. O amor pelo jovem e a dedicação em descobrir qual era o mal que lhe afetava levou a família a Buenos Aires durante uma semana, realizando exames. Do laboratório Argentino veio a resposta ao questionamento sobre a doença do garoto: Vitor era portador de Gangliosidose GM1, uma doença degenerativa que apresenta-se de diversas maneiras, caracterizada como um erro do metabolismo na produção da enzima beta-galactosidade, degenerando as células cinzentas. O acúmulo de substâncias no corpo do indivíduo prejudica a utilização dos músculos e, com o tempo, o portador morre por falência múltipla dos órgãos.

Diante dos exames, o médico responsável esclareceu que não havia mais nada para fazer, pois a doença não possuía cura e, em geral, seus portadores sobrevivem, no máximo, até os onze anos de idade. Com muitos motivos para desanimar, o pai de Vitor resolveu abraçar o desafio de encontrar a cura para seu filho, mesmo contrariando a medicina e todos os estudos já realizados até a época. “Quando o médico me disse que ele não teria muito tempo de vida eu decidi que não aceitaria isso e que iria lutar como pudesse para salvá-lo”, afirma Guidi.

Assim, o engenheiro mecânico deixou seu papel básico de pai e passou a dedicar-se também na função de pesquisador, decidiu abandonar seu emprego bem sucedido na concessionária de veículos e todas as suas atividades para empenhar-se na busca pela cura ou tratamento para a doença de seu filho. Consciente de que a troca de sua carreira profissional lhe custaria muitos desafios, Guidi pegou o dinheiro resultante do acerto pelo longo tempo de trabalho e tentou negociar com o banco a quitação de sua casa, que havia sido financiada. Porém, o banco não aceitou sua proposta e ele decidiu investir totalmente na descoberta de um tratamento para Vitor.

Com um objetivo motivado pela decisão fixa de não se deixar abater pelos resultados dos diagnósticos do filho, o pai dedicado passou a frequentar diariamente a biblioteca do setor de Medicina da Universidade Federal do Paraná, onde dedicava as horas de seus dias empenhado no estudo de enzimologia e das diversas áreas que poderiam levá-lo a inédita descoberta de como reverter o quadro clínico de Vitor.

Contrariando todas as expectativas de reação, Adolfo foi criticado por muitos, que afirmavam ser loucura sua atitude de renúncia por uma pesquisa arriscada em busca de uma cura improvável para o garoto. Nesta época, Guidi já possuía maiores responsabilidades por sua família, visto que já possuíam mais uma filha, a Gabriella, cujo nome foi escolhido pelo próprio Vitor. Com isso, muitos amigos e familiares afirmavam não ser sensata a sua decisão e seu pensamento excessivamente otimista. Porém, mesmo com as críticas, o pai empenhado prosseguia seus estudos.

Depois de longos meses de dedicação, chegou a conclusão de que era preciso entender o funcionamento da doença e descobrir como resolvê-la. No caso de Vitor, Adolfo descobriu que era necessário suprir seu metabolismo e forçar o corpo do garoto a produzir da enzima que lhe faltava. Encontrando a solução necessária para o tratamento do filho, Guidi encontrou também, após um ano e meio de estudos, a enzima que poderia ser utilizada na realização deste tratamento. Em seguida, a busca foi intensa para encontrar laboratórios que poderiam disponibilizar estas enzimas. Com muita pesquisa e dedicação, sua busca obteve resultado, e Adolfo conseguiu elaborar um medicamento inédito para Vitor. Durante seis meses de tratamento com a solução elaborada pelo pai, o garoto passou a apresentar indicativos de melhoras em seu organismo. Sua percepção das coisas ao redor foi evoluindo, a rigidez de seus músculos foi cedendo, passou a apresentar expressões faciais que antes não apresentava, até que sua doença, caracterizada como degenerativa, não avançou mais.

Com a felicidade de ter encontrado a possível solução dos problemas do filho, Guidi teve que enfrentar uma nova disputa, agora não mais com a medicina, mas desta vez para não perder sua casa, que estava indo a leilão. Com os gastos inevitáveis pelos exames e pelas pesquisas e sua renúncia ao emprego para dedicar-se a Vitor, Adolfo teve que deixar de pagar as prestações do financiamento, o que lhe custaria a posse do imóvel.

Empenhado em manter o único imóvel da família, o engenheiro buscava reverter o processo que, assim com a doença do filho, parecia irreversível, e se estendeu por nove anos. Durante este tempo, a dívida, que era de 24 mil reais, passou a custar quase 120 mil. Muitas negociações e noites sem sono faziam parte da rotina de Guidi, que desde o começo seguia confiante de que tudo acabaria bem. Com otimismo e confiança em Deus, os resultados começaram a aparecer mesmo em meio as dificuldades. Um advogado conhecido aceitou realizar a ação e defendê-lo para receber quando ele pudesse pagar, já que o pagamento antecipado era inviável para o pai de Vitor.

Com o processo em andamento, o caso passou por várias audiências de negociação, a primeira delas em Curitiba, sendo encaminhado para Porto Alegre e, em seguida, para Brasília. Segundo Guidi, desde a primeira audiência a certeza de um bom resultado já aumentava sua fé na providência. “Eu dizia ao advogado e as pessoas com quem conversava que a casa seria minha, ninguém acreditava muito, mas eu sabia que Deus estava comigo e não iria me abandonar”, afirma.

Na segunda audiência realizada, o valor cobrado pelo banco diminuiu de 119 mil para pouco mais de 48 mil reais. Guidi ainda não tinha condições de pagar, pois a renda que possuía era resultado dos pequenos trabalhos que realizava na modesta oficina mecânica montada em sua casa. Ainda sem uma solução para seu problema, Guidi continuava o tratamento que havia descoberto e os cuidados com a doença de Vitor. Encaminhado para a terceira negociação, que a princípio seria realizada em Brasília, mas que por um mutirão judicial, foi transferida para Curitiba, o caso estava perto de uma solução.

Adolfo decidiu então apresentar Vitor, contar sua história e os motivos pelos quais não havia conseguido pagar a casa, e assim comoveu os conciliadores e juízes presentes na audiência. Mesmo assim, pediu para que não fosse visto com pena, mas apenas que considerassem seus argumentos, que eram a razão de sua dificuldade em quitar o valor cobrado.

Ao conhecer a história de dificuldades e superação de Guidi, a juíza Anne Karina Stipp Amador Costa, titular da Vara do Sistema Financeiro de Habitação de Curitiba e, além disso, mãe de três filhos, elaborou uma possível solução. Anne propôs que o caso fosse encaminhado a Vara Criminal, onde já havia trabalhado como juíza. A possível solução viria de um enquadramento do caso no fundo pecuniário, que destina a verba arrecadada com detentos (fianças, etc.) e é encaminhada a instituições de ação social públicas e privadas. A aceitação para o caso de Guidi seria uma exceção, visto que jamais houve um caso de pessoa física inscrito no programa.

Em uma decisão inédita no País, o projeto de Anne Karina foi aprovado, e o Ministério Público, junto a Vara Criminal, decidiu quitar a dívida da casa. Com isso, Guidi ganhou o direito de continuar em sua casa e prosseguir com seus trabalhos na oficina mecânica montada em sua garagem. Segundo Anne Karina, a excepcionalidade da história e a força de vontade do pai de Vitor fizeram a diferença na resolução do processo. “Sempre procuramos ajudar as pessoas que precisam, e a história de Adolfo comoveu a todos. A Juíza da vara Criminal decidiu que era possível resolver e nos esforçamos para poder ajudá-lo. Acho que confiar com toda a sua fé fez com que ele solucionasse seu problema. Quando a gente faz nossa parte o universo conspira a nosso favor, e o Adolfo fez tudo o que podia fazer para salvar seu filho e conseguiu”, relata.

Solucionado, o caso de Adolfo abriu a oportunidade de resolução para o problema de várias outras pessoas. De acordo com a juíza Anne, o que chamou a atenção neste caso, foi a postura de Adolfo diante das dificuldades, sua atitude de não se colocar como vítima em nenhum momento. Para ela, abandonar a carreira e doar sua vida para dedicá-la ao Vitor foi um extremo ato de amor e doação realizado por Guidi.

Depois de solucionado o problema com a dívida, Adolfo vive hoje na residência de onde tira seu sustento. Além dos trabalhos com a oficina mecânica, realiza o trabalho de tesoureiro voluntário na Escola de educação Especial 29 de Março, onde seu filho Vitor estuda. Na instituição, ele compartilha de sua experiência e força de vontade, ajudando no trabalho realizado com 105 alunos portadores de necessidades especiais diferentes. O tratamento descoberto por ele já faz traz resultados para outras crianças, porém, ainda não é reconhecido pela medicina. Com os cuidados do pai, Vitor, hoje com 22 anos de idade, foi o primeiro portador da doença a viver mais de 12 anos e apresenta bom estado clínico.

Para Guidi, a maior felicidade hoje é poder ter seu filho por perto. Segundo ele, Vitor é o grande herói desta história. “Por mim mesmo eu não teria conseguido suportar tudo isso. Minha fé e confiança em Deus me levaram a encarar as dificuldades, além do meu amor pelo Vitor, que sempre manteve a vontade de viver e a alegria. Afinal, que pai não doaria a vida por seu filho?”, conclui.

Letícia Paris

Reportagem publicada em 2010 na Revista O Mensageiro de Santo Antônio
(Vencedora do Prêmio Nacional Dom Helder Câmara de Imprensa 2011 - CNBB)